sábado, 16 de abril de 2011

MEU TESOURO

Era um velho marujo dos mares, caçador de tesouros e lugares perdidos, mas naquele dia estava cansado das aventuras. Fazia seis anos que não encontrava uma verdadeira inspiração para novas jornadas e desafios que o motivassem realmente a sair pelas águas desconhecidas. Vivia num pequeno vilarejo da cidade fantasma, onde a rotina e o tradicionalismo dos moradores se resumiam em nada. Um lugar distante das grandes metrópoles, contudo habitada por pequenos camponeses viventes da agricultura e do comércio. Tempos atrás a cidade fora invadia por uma peste chamada Tratseer, que além de adoecer jovens e adolescentes, acabava com o pouco que restava da dignidade até então presente nos lares e escolas. Aos poucos as pessoas infectadas por esse inseto faleciam de forma simplesmente inexplicável.
Em determinada manhã, resolvera sair para um passeio diurno. Os servos preparavam a carruagem enquanto ele com muita dificuldade traçava metas e alvos na sua pequena sala de estar. Depois de tanto rascunhar chegou à conclusão de que era o momento ideal para se aposentar, afinal as experiências passadas e as batalhas travadas o deixaram um pouco desestabilizado emocionalmente. Entretanto, foi em uma pequena gaveta do armário do seu avô que ele encontrou, embrulhado em uma folha de cetim, escrita com corais e em forma de pergaminhos, um mapa. Mas não era um mapa comum, era o mapa do tesouro. O lendário tesouro da terra da esperança! De início esnobou o manuscrito, considerou-o uma simples falsificação barata, nada diferente dos outros que já desvendara. Mas com o tempo percebeu que ele tinha um brilho diferente dos outros, suas gravuras remetiam a lugares esplêndidos, pastos verdejantes, vales pouco explorados, fazendo renascer uma chama em seu peito. Os sonhos perdidos foram novamente resgatados, o cansaço ficou para segundo plano, já conseguia ver as terras desconhecidas, os minérios, as dificuldades, entretanto estava firme em seu objetivo. Segurou o mapa novamente e abraçou-o como se fosse um filho recém encontrado. Acariciou, envolveu em seus braços de amor e guardou cuidadosamente junto a seu peito.
- Estou reencontrando minha alegria, vou buscar o meu tesouro!
Reuniu caravanas, velejadores e criados. Vendeu propriedades, rebanhos, além de abrir mão de sua vida cômoda e mesquinha. Esqueceu o passado, os fracassos, os riscos. Estava disposto a buscar o seu tesouro, mesmo que colocasse sua vida em risco. Depois de dias calculando o percurso, as despesas e danos, chegou a hora da viagem. Ao redor do barco, as donzelas choravam os maridos não casados, as viúvas choravam os maridos ainda vivos, e os amigos choravam... Com fé e muita segurança ele olhava para a linha do horizonte, era quase impossível não enxergar a arca do tesouro, cujo lado interno estava os sonhos de uma vida inteira. As pérolas, o ouro, a esperança. Contemplava os céus, com o pergaminho nas mãos louvava e agradecia a Deus por esse momento não histórico. Foi quando surgiram rumores no porão de que o mapa era uma enroscada.
- O tesouro é quase impossível de ser encontrado, o caminho que leva até ele é praticamente impenetrável – Dizia um dos estudiosos.
- Estou disposto até a andar pelos vales da sombra da morte, mas necessito desse tesouro – Respondia ele com uma voz alterada.
- O que há de tão importante nesse tesouro meu Deus? Que possa te deixar assim um pouco desnorteado homem!
- Nesse tesouro não há apenas riquezas, dentro dele está minha vida!
- Não compreendo chefe! Juro que não compreendo...
Assim o barco sumia no horizonte, rumo à terra desconhecida, porém desejada e almejada pelo destemido capitão. Mal compreendia a tripulação o porquê de tanta luminosidade em seus olhos. Tentavam decifrar como um homem com tantas riquezas e poder abriria mão de tudo por algo até então inexistente. Longe desses questionamentos estava ele em seu camarote, segurando firme com as duas mãos o timão, através do qual controlava não só o barco, mas também sua ansiedade, seus sonhos, a vida.
- Preciso reencontrar o meu tesouro!
   
(Jucinei Rocha dos Santos – Abril de 2011)


*Ilustração feita por Ana Beatriz Sanches Perez.

sábado, 9 de abril de 2011

A PORTA

Mesmo depois de uma noite agitada, ele não conseguia esquecer aquela porta e o que consequentemente o esperava atrás dela.
            Sabia que explicações e provas não o salvariam de um destino certo.  Ainda meio tonto, cansado, camisa meio aberta, precisava respirar. Naquela hora um vento fresco passava por seus cabelos, que já tinha perdido a forma e vividez de outros momentos.
            Avistou o lugar, que lhe era muito familiar, mas mesmo assim lhe dava medo. Parecia vazio. Com a visão ainda turva caminhou com dificuldade até ficar em frente à porta, que agora saia de sua mente para se tornar realidade, logo aquilo que estava atrás dela também se tornaria.
     Não foi difícil encontrar a chave em seu bolso, pois agora ela pesava, a ponto de ter que se segurar na porta para não sucumbir. Pegou-a com dificuldade e depois de algum tempo conseguiu introduzi-la na fechadura. Girou-a, a ponto de poder escutar em alto e bom som todas as engrenagens trabalhando contra ele, o que estava atrás também pôde ouvir, já que uma respiração agora podia ser sentida do lado de dentro, tirando completamente a idéia de estar vazia, era uma respiração forte e profunda, a qual parecia que todo lugar se contraia em função da inspiração daquela criatura. E por um momento olhou para trás contemplando a noite, como se fosse à última vez que fosse vê-la.
Ele mesmo respirou profundamente e empurrou a porta com um ranger aterrorizante. Ela se abriu.
     Olhando para dentro daquela escuridão densa, como o fundo de um precipício, pode ver o ser que tanto o aterrorizava, iluminado apenas por uma luz fraca, podia ver aquela expressão que não poderia ser descrita nem pelos maiores autores do mundo do horror.
     E aquele olhar que transbordava ódio, foi esvaziado por aquela bocarra, num rugir que gelaria a espinha até dos mais bravos soldados de a “Odisséia”.
- Joílson seu cafajeste, há essa hora e bêbado como um porco...

                                                                        (Lenon Rocha Martinez - 2011)


"Sou uma pessoa que adora o modernismo e gerencia bem o tempo, escrevo em filas de bancos ou enquanto espero o ônibus, uso como ferramenta meu “celular modernão" (Lenon R. Martinez)

sábado, 2 de abril de 2011

CAPINHA

Teve uma infância difícil, desde pequena morou com a avó, foi ela quem lhe deu carinho, atenção e comida. Conta seus tios que sua mãe a abandonara pequena, quando estava totalmente envolvida num universo chamado drogas, que teve início no colegial, quando conheceu um rapaz alto, bonito e rico. Foi amor a primeira vista, saíram, dançaram, beberam e fugiram. Tinha apenas dezessete anos. Esse jovem a apresentou ao cigarro, até então desconhecido pela pequena donzela. Com o tempo ela acabou conhecendo o que era chamado pelos cientistas de cannabis sativa, a moda da época. Quando menos percebeu já estava grávida e viciada em crack. Contou para o parceiro, mas ele já estava longe. Sozinha, abandonada e grávida, voltou para a casa dos pais. Aceitou ser internada em uma clinica de desintoxicação, porém queria abortar a criança.
- De que me adianta um filho na barriga, sendo que nem conheço o pai dele!
A idéia do aborto foi rapidamente descartada pela família, a qual podemos dizer que tinha uma vida religiosa ativa. Depois de muitas discussões e tentativas de suicídio chegaram à conclusão de que a avó ficaria com a criança. Nasceu, chorou, cortaram seu cordão umbilical. Uma criança linda! Cabelos crespos, olhos castanhos, pele escura, um anjo que sem culpa alguma aparecera no mundo. Pena que nunca mamou no peito da mãe! Conheceu a mamadeira muito cedo, não só a mamadeira, como o abandono e a rejeição. Porém isso não a impediu de ser feliz. Desde que conheceu a palavra “mãe”, teve curiosidade de conhecê-la. Sabia que foi abandonada? Sim! Quase foi abortada? Sim! Mas queria dar uma oportunidade para a proprietária da barriga que a gerou justificar-se.
Em plena segunda feira, ouviu na mesa do jantar que uma mulher chamada Ivanilde foi presa, acusada de tráfico de drogas. Queria saber quem era, mas só ouviu o som do silêncio. Não resistindo ao olhar da criança, a avó resolve falar.
- Minha linda, Ivanilde é a sua mãe. Ela foi presa ontem a noite com um monte de coisas erradas.
- Onde ela está vovó?
- No presídio da cidade.
- Posso ver minha mãe?
-...!
A criança nem queria saber o motivo, razão ou circunstância que a mãe foi presa, pela primeira vez seu coração batia acelerado, afinal ela iria realizar um sonho, já tinha dez anos e ainda não conheceu sua geradora. No sábado, sua avó preparava alguns salgados para que a menina levasse na cadeia. Com muita insistência a menina conseguiu convencer a senhora de que tinha o direito de fazer uma visita.
- Minha netinha querida, esses salgados é para sua mãe, talvez você não a conheças, mas no papel está o seu sobrenome.
- Obrigado, vovó!
- Ah! Tome cuidado com as pessoas, muitas delas poderão tentar te enganar.
- Vou tomar cuidado, tchau!
Saiu de casa. Fechou o portão. E foi pela calçada. Andou muitas quadras até chegar ao centro da cidade. Como não tinha muita informação, resolveu perguntar onde ficava a cadeia. Porém aquela cidade estava cheia de imigrantes, alguns vieram do nordeste, outros do sul, tinha gente até do estrangeiro. Ninguém conseguiu responder sua pergunta. Até que chegou a ela um homem bem vestido, de óculos escuros.
- Bom dia garotinha, mas não pude deixar de ouvir. Você quer ir até a cadeia?
- Sim! Minha mãe está lá e tenho que fazer uma visita.
- Como chama sua mãe?
- Ivanilde!
- Sabia que a conheço? Se quiser posso te levar até ela.
A menina pensou, lembrou dos conselhos da avó e recusou a oferta do Homem. Ele insistia, tentou de várias maneiras convencê-la a entrar no carro, sem sucesso. Percebendo que muitas pessoas já estavam observando aquela cena o homem foi embora. Anos depois ela veria a foto dele no jornal. Acredita que ele estava sendo procurado pela polícia, acusado de pedofilia e tráfico de crianças? Horas depois ela chega à prisão. Foi revistada, olharam os salgados, mas a deixaram entrar. Um homem sério, fardado e alto colocou-a em uma cadeira branca e pediu para esperar. Até que chega uma mulher.
- Mamãe?
A mulher não resiste a doce voz da criança, ao vê-la sente uma grande amargura e arrependimento. Fica parada em frente à mesa, sem reação. A criança sai da cadeira e a recebe com um abraço. Abraço que chega somente a sua cintura, mas que para a mãe tem um valor imenso. Não consegue dizer uma palavra à criança, estava descobrindo da maneira mais estranha o significado da palavra amor, talvez do sentimento amor.
- Mãe, por que seu rosto está todo vermelho?
- É a alegria que estou sentindo, pois nunca imaginaria que você iria me ver!
- Ah, e como você está magra mamãe, o que aconteceu?
- Minha filha, eu tive uma vida muito errada, acabei mexendo com coisas erradas que me deixaram assim.
- E por que você está cheia de cicatrizes?
- Apanhei muito nessa vida, tanto de pessoas, como da polícia.
- E essas lágrimas nos seus olhos mamãe?
- É felicidade minha filha, acabei de encontrar um motivo para viver.
Nesse momento a mulher levanta e volta para a cela. A menina a observava da cadeira, cheia de dúvidas e alegria. Esperando o primeiro sábado do mês seguinte. O sábado de aleluia.

                                                                (Jucinei Rocha dos Santos - Abril 2011)







 *A colagem foi feita por Silvia Rossine.