sábado, 18 de dezembro de 2010

UM MÁGICO

Magro, sujo e solitário, José vivia em meio à pobreza, representada pelos velhos cobertores que carregava consigo, pelas caixas de papelão, na maioria das vezes sua moradia e as ruas da pequena cidade do interior, onde ele sentia-se em casa. Era muito comum encontrá-lo na rua, manco, barbas brancas, calça bege amarrada com barbante, um saco nas costas e uma bengala improvisada com cabo de vassoura, porém, um sorriso extraordinariamente cativante, capaz de causar inveja a qualquer burguês nascido em berço de ouro blasfemador da vida. Não se sabe exatamente nada a seu respeito, somente que anos atrás ele aparecera na cidade, adotando como profissão o Andarilhismo. Percebe-se nele um sotaque nordestino, mas documentos, registros históricos e fatos contados, nada. José tinha o costume de banhar-se em um pequeno açude perto do principal esgoto da cidade, também freqüentado por banhistas, pivetes e playboys. Só que José era dotado de uma inocência fora do normal, sem se importar com o maquiavelismo dos cidadãos freqüentadores do lugar, ele saia completamente nu. Isso mesmo! Nuzinho da silva! Deixando todos boquiabertos.
- Tá um calor aqui, né? – Perguntava para as pessoas.
Sem obter respostas ele entrava na água, mergulhava, cantava, sorria, vivia. Apesar de viver de esmolas, caridade e frutas no caminho, era feliz. Pobre, solitário, mendigo, contudo, feliz. Andarilho, emigrante, miserável, mas extraordinariamente feliz. As crianças gostavam dele, apesar de não ter um rosto bonito, boas vestimentas, sabia brincar, conversar, ouvir. Quando sorria, não havia menino ou menina que não gargalhava, era a simpatia em pessoa. Famílias saiam no portão para ouvi-lo, contava anedotas, falava do tempo, fazia perguntas e sorria. Amava os bebês, toda vez que ele via um, seus olhos brilhavam, sua face refletia uma luz que deveras parecia celestial.
- Parece um anjin, né? Eita minino bunito!
- É seu Zé, já faz dois meses que ele nasceu.
- Já tá grandão, óia só que braço forte!
- Puxou pro pai!
Cristão praticante, sempre presente nas cerimônias religiosas. Não havia chuva, vento ou sol que o impedia de ir à igreja. Muitas vezes chegava molhado, sujo, entretanto, sua presença era inestimável, pelo menos nas regiões celestiais. Sofria preconceito? Sim, muito, afinal que pessoa bem vestida, perfumada e enjoiada, sentaria perto de um velho, sujo, molhado, rasgado? Isso acontece muito em nossa sociedade, principalmente nas igrejas. José foi apenas um dos muitos que já sofreram essas injustiças. Preocupadas em vestir-se para os outros, mostrarem as roupas da moda, desfilar em pleno chão sagrado, os “cristãos” nem percebiam a “jóia preciosa” presente em todas as cerimônias, com louvores sinceros, fé inabalável, atitudes incomparáveis. Nas muitas das vezes podia ser comparado com a viúva pobre presente nos livros de Marcos e Lucas, ao deixar como oferta sua única e insignificante moeda, entretanto valorosa comparada à situação financeira em que vivia.
Com o passar do tempo, José já não se fazia presente nas ruas como antes, andava meio cabisbaixo e o brilho do seu sorriso ia se apagando. As crianças já não brincavam como antes, as famílias não saíam como outrora, o açude estava praticamente deserto. A partir do momento que José mudou, os bairros mudaram, as ruas mudaram, a cidade mudou e tudo ficou cinzento. Os circos não proporcionavam a mesma alegria, o palhaço tornou-se corrupto e passou a viver somente pelo dinheiro, os habitantes da cidade caíram na velha rotina: Casa, trabalho, casa. Garrafas, sacolas, lixo, era tudo que se via nas ruas.
- Pai! Aonde tá aquele velhinho que vinha aqui em casa?
- Não sei meu filho, não sei...
Noite de inverno, a chuva descia lentamente nos telhados simples das casinhas simples dos bairros simples, ouviam-se as gotas caindo nas poças formadas ao redor da parede, os papéis eram levados pelas pequenas correntezas formadas nas calçadas e a lua brilhava. Olhando para o alto, os pingos da chuva eram visíveis devido à sua luminosidade, ouvia-se o som dos ventos, os zunidos das árvores, o canto dos pássaros, molhados, gelados, parados no anoitecer. Meia noite o sino toca, e deitado na porta da igreja estava José, embrulhado com o velho cobertor. Ele tremia, gemia, rugia, embora com frio, olhou para o alto e uma luz refletiu em seu rosto. O homem triste sorriu, junto com o renascimento do sorriso renasceu em seu interior uma esperança, em seus olhos um brilho, em seu coração um novo sopro de vida. Naquela mesma noite José morreu.


" [...] era um mágico que com sua simplicidade de homem do campo conseguia transformar  tristezas em alegrias." 
                                                                                   (Jucinei Rocha dos Santos - 2010)

3 comentários:

  1. Sempre tem que ter um José nessas histórias huashsuashs
    Mas ficou legal o texto.
    Boa sorte com seu blog!!

    ResponderExcluir
  2. Achei interessante a parte que você deixa clara que a beleza esta dentro de nós, por fora somos apenas casca. E que nós fazemos a vida feliz, e não vice-versa. Parabéns.

    ResponderExcluir
  3. Adorei seu conto... você transmite sensibilidade em suas palavras e isso deixa a história ainda mais envolvente.
    Não sabia que você escrevia tão bem assim!!! Parabéns!

    ResponderExcluir